Ninguém no seu perfeito juízo, apesar de eu ter ouvido alarvidades do género, exigiria uma vitória do Benfica em Old Trafford. Não só pelo peso Mundial do Manchester United quer a nível financeiro ou mesmo competitivo, mas também pelo facto de nunca ter perdido em casa com equipas portuguesas… nem no tempo de Eusébio.
Sendo assim, pareceu-me suicídio procurar o apuramento com uma imprescindível vitória e ainda por cima em confronto directo com os Red Devils. É caso para dizer que o Golias não é parvo e nem sempre o David consegue lá ir, então, eliminar um colosso pelo 2º ano consecutivo era, para mim, um feito muitíssimo improvável para o qual, confesso, nunca tive grandes expectativas.
Fernando Santos apresentou a equipa que todos esperávamos –, o losango continua e continuará discutível para mim, mas isso já são outras contas – e, depois de mais um claro triunfo em Alvalade, a esperança em sair dignificado da Champions League era o meu principal desejo. Seria castrador, para os objectivos futuros da equipa, uma goleada humilhante em solo inglês, não só pela óbvia fragilidade emocional do Benfica 2006/07, mas também para não “estragar” o prestígio e respeito alcançados no ano transacto.
É verdade que o Benfica entrou bem na partida e conseguiu segurar o ímpeto de um Manchester algo expectante – afinal, um empate era-lhes suficiente –, mas a equipa emperrava sempre na muralha defensiva dos visitados. Foi algo confrangedor assistir a algum desnorte luso, com constantes passes laterais ou atrasados ao invés de se tentar a jogada em progressão. Pareceu-me evidente o nervosismo encarnado nesse período de tempo e foi preciso Simão “assumir as rédeas” – quase sempre com Nélson e Léo em grande plano – para vermos alguma coisa de útil.
E assim, deixo a seguinte consideração: sabendo da miserável forma competitiva de Nuno Gomes, faz algum sentido colocá-lo como uma espécie de organizador de jogo? Obviamente que não, foi um problema acrescido que a equipa teve de resolver, onde acabou por adiantar o #21 de forma inconsciente deixando um espaço vago que possibilitou alguma liberdade para Michael Carrick e, a espaços, para Paul Scholes.
Para nós benfiquistas, o jogo valeu pelo golo do outro Mundo de Nélson, mas que serviu de wake-up call para o United – raio do rapaz que me fez sonhar durante uma hora de jogo! O domínio completamente esmagador que se seguiu, com constantes oportunidades de golo, foi praticamente impossível de suster – impressionantemente seria-o, de certeza, para a maioria das equipas do topo europeu – sendo que o lance de Vidic, no último minuto da 1ª parte, teve importância fulcral no resultado do jogo.
O golo “inglês” era mais ou menos expectável, mas o facto de ter sido apontado na última jogada antes do intervalo desalentou decisivamente não só os adeptos mas também os próprios jogadores. E aí, um treinador diferente – desculpem, mas tenho de “bater nesta tecla” – e uma palestra arrojada no regresso às “cabines” teriam sido decisivos. Afinal, estava tudo empatado e era como entrar em campo de novo. Uma espécie de Nandinho “à Mourinho” teria sido fundamental, mas a equipa entrou com o derrotismo que caracteriza o seu técnico e não existiu durante o 2º tempo… foi um verdadeiro passeio para o Manchester que saiu como um justo vencedor em 45 minutos de sentido único.
A enorme classe e o incrível poder físico do adversário foram determinantes. A equipa sofreu 3 golos de cabeça, com 2 deles em lances de bola parada, onde a marcação feita ao homem que factura é completamente deficiente. No golo de Vidic, há uma atrapalhação risível de Luisão e uma marcação patética de Nuno Gomes – que até tenta simular uma falta –, arrematada por mais um descabido posicionamento de Quim, que falha por completo uma intercepção de bola na pequena área.
O golo de Ryan Giggs – um dos melhores extremos-esquerdos Mundiais dos últimos 15 anos – tem seguimento numa falha clamorosa de Katsouranis que, inexplicavelmente, pára de correr à entrada da área e deixa que o internacional galês fique completamente sozinho. Não consigo compreender, ainda, como é possível ser Nélson a fazer a marcação a Louis Saha no canto que dá o 3º golo. É do domínio público que o #22 defende mal e tem deficit de jogo aéreo… erros incompreensíveis que mataram qualquer aspiração colectiva e inspiração individual.
Confesso que ainda acreditei com o 0-1, algo que nunca pensei que pudesse acontecer e que me fez sofrer bastante, mas a qualificação não se perdeu neste jogo. Contra este poderosíssimo Manchester, e a jogar com 10 durante 90 minutos mais qualquer coisa era difícil. É inacreditável a forma como Nuno Gomes não jogou para a equipa e deu várias posses de bola ao adversário, com passes infantis e ausência de posicionamento eficiente. Não consigo compreender como o Nandinho não poupa o jogador a estas vergonhas, colocando-o no banco definitivamente até que encontre a melhor forma e dando oportunidades a outros jogadores… inclusive o, de novo, excluído Kikín Fonseca. É um mistério preocupante que, sistematicamente, só dois avançados tenham a possibilidade de jogar!
E depois, será que Fernando Santos não evoluiu e ainda é do tempo em que só eram permitidas duas substituições? Alguém lhe diga que já se podem fazer 3, é quase em todos os jogos a mesma patetice. Depois aparece com as desculpas do cansaço de muitos jogos e, posteriormente, aparecem as lesões em jogadores que já estão completamente de rastos aos 65 minutos.
A outro nível destaco também a arbitragem completamente caseira, mas já esperada, de Herbert Fandel. O alemão quis ser inglês mas exagerou em deixar seguir o jogo, permitindo algumas entradas muito duras e não assinalando várias faltas. Há um lance de Simão isolado com Vidic onde o capitão cai à entrada da área mas, parece-me sinceramente, que não há falta. Falta duríssima houve numa entrada de pitons de Scholes a Paulo Jorge, sem admoestação, que lhe poderia ter partido a perna… acho que o amarelo seria pouco para uma autêntica agressão.
Não sei se a bola terá entrado naquela mão involuntária de Nélson que Quim segurou mas, apesar de ser muito difícil analisar, o fiscal estava bem colocado e deixou seguir.
Em relação às prestações individuais destaco a segurança imperial de Ricardo Rocha e a classe de Simão que destruiu o internacional francês Evra em quase todos os lances do jogo. São, sem dúvida, os jogadores do clube em melhor forma e é pena que não sejam correspondidos por mais colegas.
Não sendo o lance do 1º golo, Quim e Luisão teriam sido dos melhores em campo… falharam clamorosamente deixando uma nódoa na exibição que dificilmente sairia no decorrer do jogo. Nuno Gomes e Nuno Assis voltaram a ser as unidades em pior plano sendo ainda mais evidente do que em Alvalade que devem sair da equipa e dar lugar a Karagounis/Karyaka e Kikín.
Miccoli continua inferiorizado fisicamente, assim como Katsouranis, o que é uma situação incompreensível num clube profissional. Nélson e Petit estiveram bem a espaços, o 1º evidenciou-se a atacar e o 2º a defender.
Ficamos todos tristes com o resultado mas saímos da Champions League com uma certa dose de dignidade apesar da desilusão ao ver que havia francas hipóteses de qualificação numa poule onde apenas o Manchester é claramente superior como equipa.
Não vale a pena começarem com a laídinha dos jogos das outras equipas na Dinamarca ou daquele penalty falhado de Saha em Glasgow. Há que ter noção de como foi o jogo em Copenhaga e como se comportou o Benfica, ou não comportou, se quiserem. Na prática, os dois pontos perdidos em Copenhaga permitiriam que o Benfica ficasse com 9 e, apesar da igualdade pontual com o Celtic, o nosso clube passaria à próxima fase tendo em conta o desempate pelo score de golos – já que o confronto directo, que é o 1º factor, dá empate.Ouço de muita gente que a eliminatória se perdeu com o Manchester mas, desculpem-me, estou em total desacordo. Para além do United ser uma equipa fortíssima que não surpreenda que ganhe em qualquer lugar, o Benfica não fez nada na Luz para vencer… não há registo de uma única oportunidade de golo evidente e o empate não chegaria para o apuramento. Em Glasgow, os 3-0, apesar da boa réplica nos primeiros minutos, não deixam dúvidas da justiça da vitória.
Metade da vontade e ambição de Old Trafford, na Dinamarca, e o Benfica estava qualificado.
Considero que há boas perspectivas na Taça UEFA e, com alguma dose de boa sorte no sorteio é possível chegar longe – Werder Bremen, Tottenham e CSKA são os mais sérios concorrentes. Se o Sporting, com um palmarés insignificante na Europa, chegou à Final recentemente, o Benfica tem tudo para vencer, mesmo com o Nandinho no banco.
NDR: O Benfica, jogando fora, voltou a entrar em campo trajando um bege pálido e sem qualquer sentido na História dos Equipamentos do Clube. Não consigo entender porque se opta por envergar uma camisola deste tipo e que ainda por cima é hedionda. Lembro-me de, penso que em 1995/96, onde o João Vieira Pinto fez 18 golos no Campeonato, de um 2º equipamento todo em branco com traços de vermelho na gola, mangas e números. Foi, talvez, o mais bonito que já vi, mas desde que é a Adidas a ter responsabilidades nessa situação que é disparate atrás de disparate, desbaratando mais de 90 anos de historial.
E depois, o problema já entra no paradigma da superstição, e talvez até influa o subconsciente dos jogadores. Será que o Benfica tem alguma vitória jogando com estas camisolas horrorosas?
Ficha de Jogo:
6ª Jornada da Fase de Grupos da Champions League
Old Trafford, em Manchester
Árbitro: Herbert Fandel (Alemanha)
MANCHESTER UNITED: Van der Sar; Gary Neville, Vidic, Rio Ferdinand e Patrice Evra (Gabriel Heinze, 67 m); Cristiano Ronaldo, Michael Carrick, Paul Scholes (Solskjaer, 78 m) e Ryan Giggs (Darren Fletcher, 73 m); Wayne Rooney e Louis Saha.
SL BENFICA: Quim; Nélson, Luisão, Ricardo Rocha e Léo; Katsouranis, Petit, Simão e Nuno Assis (Karagounis, 72 m); Nuno Gomes e Fabrizio Miccoli (Paulo Jorge, 63 m).
Disciplina: Amarelos a Ricardo Rocha (34 m), Rooney (43 m) e Fletcher (78 m).
Golos: 0-1, Nélson (26 m); 1-1, Vidic (44 m); 2-1, Giggs (61 m); 3-1, Saha (74 m).
#Fotos: AFP-Getty Images e SerBenfiquista
#adicionado a Crónicas 06/07
#publicado em simultâneo com o Encarnados
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