Regresso das grandes noites europeias à Luz, 2 meses e meio depois da fantástica vitória sobre o 2º clube mais rico do Mundo, Manchester United. Em abono da verdade não esperava muito deste jogo – pelo menos é com isso que me tento mentalizar em jogos deste tipo para depois em caso de desaire não ficar deprimido – mas onde uma vitória seria fundamental, não só para recuperar a moral, que nos últimos tempos tem estado pelas ruas da amargura, mas também para impulsionar um resto de época de grande nível.
Confesso que nunca fui um grande fã do Liverpool, a minha equipa inglesa preferida foi desde sempre o Arsenal – muito por causa do irreverente e genial Ian Wright – mas obviamente reconheço a sua grande valia não só do passado mas também do presente. Afinal estamos a falar do actual Campeão Europeu de Clubes e não um qualquer clube de bairro.
O Liverpool tem, de facto, uma grande equipa demonstrando uma solidez defensiva exemplar com o excelente Sammy Hyppia e um meio-campo de nível mundial com os fantásticos Xabi Alonso, Steven Gerrard – felizmente está lesionado e não pode jogar o tempo todo – e Luís Garcia. Para além disso possui há pelo menos 2 anos, e estatisticamente falando, o 2º melhor treinador mundial, Rafa Bénitez que perde apenas para Mourinho.
Sendo assim, tendo em conta o péssimo momento do Sport Lisboa e Benfica e a enorme mais valia do adversário – de longe o melhor deste ano em competições oficiais – afigurava-se um jogo complicadíssimo em que só com uma grande vontade, determinação e categoria se conseguiria obter a vitória ou pelo menos um resultado positivo.
Como seria de esperar a lotação esgotada da Luz criou um ambiente fantástico, digno dos grandes e míticos estádios da Europa que só por si e, como sabemos, influencia fortemente o futebol jogado actuando como um 12º jogador. Facilmente constatamos que a moldura humana da Luz é fundamental, ou tem sido, nos bons resultados obtidos nos últimos 2/3 anos. Pena é que a sua presença seja muito volátil e dependente de bons resultados, felizmente a nível europeu isso – leia-se baixas assistências – não tem acontecido.
Mais uma vez e como seria de esperar Ronald Koeman fez alterações à equipa titular colocando Alcides em vez de Nélson – procurando com certeza o bom jogo de cabeça do jovem internacional sub-20 brasileiro, Anderson em vez do ultimamente desastrado Ricardo Rocha e o esforçado mas muito limitado Beto como um 3º homem de meio-campo no lugar de Marcel. Para além disso fez regressar Laurent Robert – após um período de lesão – que cobriu o lado direito.
Uma equipa consistente e manifestamente defensiva procurando acautelar o poderio reconhecido do meio-campo inglês.
Primeira nota de destaque na apresentação das equipas ao público, com a sublime música da Champions League, foi a absurda diferença de estatura dos jogadores das duas equipas – um pouco à semelhança do Manchester United. Se em Portugal esse aspecto é pouco sublinhado, até porque o típico português é relativamente baixo, nos jogos europeus a diferença atlética é abismal. Por isso mesmo é aconselhável que no futuro a política de contratações tenha isso muito em conta já que em confrontos deste nível esse aspecto é fundamental.
O Benfica iniciou o jogo com muitas cautelas defensivas e foi na “conversa” da tentativa de empate do Liverpool. Houve momentos em que pensei que o Benfica não teria hipóteses nenhumas de triunfar em virtude da inoperância do meio-campo ofensivo e do ataque. Foi, de facto, uma 1ª parte bastante má com pouquíssimos motivos de entusiasmo e apenas um lance com algum espectáculo naquele passe magistral de Robert para uma desmarcação atrasada de Simão.
O que é certo é que as defesas se superiorizaram aos ataques quer no caso do desamparado Nuno Gomes quer no apagado Fernando Morientes. Parecia, no entanto, que com um pouco mais de velocidade e técnica no meio-campo benfiquista tudo se alteraria. Em virtude da péssima 1ª parte e do amarelo já visto tudo indicava que Ronald Koeman fizesse o câmbio natural de Beto pelo grego Karagounis. O holandês não pensou da mesma forma e preferiu esperar mais um pouco. Talvez tenha arriscado demais visto que o brasileiro podia ter visto um novo amarelo e destruído por completo as aspirações da equipa. Confesso que me enervei bastante com esta atitude!
Finalmente, aos 57 minutos entra o “Zorba” e tudo se modifica. Posse de bola irrepreensível, velocidade, fintas magnificas culminadas em livres perigoso por faltas do adversário. Karagounis foi a chave que abriu o cofre. A cereja no topo do bolo. Karagounis foi a peça que faltava ao puzzle benfiquista e foi num dos seus lances magistrais que surgiu o livre que deu origem ao grande golo de Luisão. Foi o Petit! É sempre ele! Grande Petit! Muitos gritos de emoção, algum lacrimejar confesso, é isto ser benfiquista. É difícil descrever o que se sente em momentos como o de ontem e principalmente depois do que se tem vivido ultimamente. Mas acreditar sempre!
A importantíssima vitória do Benfica é inteiramente justa. É verdade que o jogo foi na sua maior parte um pouco monótono – apenas meia hora de futebol espectáculo – mas as oportunidades criadas foram exclusivamente para o mesmo lado. Precisamente o lado do Benfica. Há pelo menos 3 flagrantes sem contar com o golo obtido.
Individualmente há muito por onde falar. Os 3 mosqueteiros do costume: Léo, Petit e Luisão foram absolutamente fantásticos fazendo porventura as suas melhores exibições ao serviço do Benfica ou pelo menos do mesmo nível dessas.
O pequeno defesa-esquerdo brasileiro continua a provar jogo após jogo a que a altura não joga a bola. Neste momento é indiscutível na equipa, espero que o Koeman também entenda isso. Contra o Liverpool não se atemorizou pela enorme envergadura dos seus concorrentes e fez uma exibição fantástica – bem ao nível de que nos tem habituado. Fintou, cruzou, marcou, subiu em velocidade, e o impressionante é que, com o seu 1,69 m, até ganhou bolas de cabeça. De longe um dos jogadores em melhor forma do Benfica, fica só na dúvida o porquê da teimosia de Koeman em colocá-lo mais de um mês no banco. A continuar assim e caso os bons resultados do Benfica na Europa se mantenham tem hipóteses em envergar a “canarinha” na Alemanha.
Quem mantém todas as hipóteses em ir ao Mundial pelo “escrete” é o seu compatriota Luisão, o verdadeiro patrão da equipa. O central brasileiro fez uma das melhores exibições ao serviço do Benfica de que tenho memória. Secou por completo Robbie Fowler e depois Cissé, não perdeu um único lance digno de registo e ainda teve a “lata” de fazer um golão num cabeceamento portentoso e que deu a vitória. A exibir-se a este nível, infelizmente, não ficará muito mais tempo no Benfica. Parece talhado para os grandes jogos, ficando novamente a certeza que continua a calar as criticas inoportunas e injustas da Imprensa Portuguesa dos últimos tempos.
Quanto a Petit pouco mais há a dizer. Foi, para mim, o melhor em campo e se raramente joga mal, no jogo de ontem foi simplesmente sublime. Segurou o meio-campo – como, aliás, costuma fazer de forma brilhante – em disputa com o excelente Alonso e esteve presente em quase todos os lances de perigo. Criou o golo de Luisão e teve nos pés oportunidades para mais dois, um deles num chapéu soberbo a 45 metros. Petit merecia-o! Fica para a próxima! Afinal não é só cacetada como muitos apregoam, ouçam Rafa Bénitez quando este diz que o Petit é um dos melhores trincos europeus.
Em óptimo nível exibiram-se também Anderson, Alcides e Manuel Fernandes.
O central Anderson é o complemento ideal da dupla com Luisão por ser mais rápido que o primeiro e assim ter uma grande capacidade de dobra ao companheiro. Voltou ao seu melhor nível depois de alguns jogos em menor forma e que lhe custaram a titularidade. Secou por completo um dos melhores pontas-de-lança do mundo, Fernando Morientes, quando já o tinha feito a Fórlan e a Van Nistelrooij. Demonstra grande categoria especialmente naqueles lances de cortes em carrinho lateral. Gosto imenso do seu futebol!
De Alcides poder-se-á dizer que teve alguns momentos de intranquilidade e em que foi ultrapassado em velocidade por Harry Kewel mas no geral não comprometeu. Ofensivamente não se lhe pode pedir muito porque, manifestamente, não o consegue. Prefiro Nélson, mas a sua capacidade de cabeceamento dá muito jeito neste tipo de jogos e por isso Koeman esteve bem ao optar pelo brasileiro.
Um pouco mais solto do que costume, Manuel Fernandes, exibiu-se em bom nível. Sem a responsabilidade de jogar em marcação no meio-campo soube optar e bem por descair para as faixas laterais sempre que era necessário ajudar os seus colegas. Não foi muito exuberante mas cumpriu, certamente, o que lhe foi pedido sem grandes falhas.
Bastante abaixo do esperado estiveram Moretto, Beto e Simão.
Do capitão espera-se tudo mas nos últimos tempos tem-se visto muito pouco. Nem contra a sua ex-futura-equipa foi decisivo, sem chama, sem velocidade e, incrivelmente, sem discernimento na cobrança de lances de bola parada. A desilusão da noite e já são muitas!
Mais uma vez o keeper do Benfica demonstrou uma intranquilidade atroz. Embora o Liverpool não tenha feito remates à baliza do Benfica é nos cruzamentos para a área que demonstra maiores carências quando essa era a característica que melhor o definia. Ainda não me convenceu na totalidade.
Beto é, realmente, um “case study” do Benfica. As suas limitações técnicas e por vezes tácticas são imensas mas tenta compensá-las com uma entrega e raça fora do comum. Perde inúmeras bolas mas “estorva” inúmeros lances ao adversário. Não sou propriamente um fã mas revoltam-me os assobios que lhe retribuem. Ainda se fosse um jogador que não se esforçasse! Nem o Beto, nem outro qualquer, merecem essa atitude por parte dos adeptos do Benfica. Sinceramente não percebo que se vá para a Luz assobiar um “nosso”. Ele tem toda a razão para se sentir triste e ofendido com estas atitudes até pelo facto de ser muito por sua culpa que o Benfica disputou este jogo.
Dos titulares sobra ainda Laurent Robert e Nuno Gomes.
Apesar de não ter feito um único remate à baliza, o ponta-de-lança do Benfica foi fundamental no jogo da equipa. Era ver os centrais a correr atrás dele, num jogo muito físico e muito complicado para si mas que teve toda a entrega possível. Um líder!
Do francês recordo apenas o magnifico passe para a desmarcação de Simão e pouco mais. Por vezes alheia-se por completo da partida que até parece que nem está em campo.
As substituições processadas – Karagounis, Nélson e Ricardo Rocha – foram todas muito bem feitas mas com resultados díspares.
Karagounis foi um dos homens do jogo como já disse anteriormente, Nelson não resultou já que entrou simplesmente para os “rodriguinhos” que neste tipo de jogos é algo que nunca vai resultar e ainda Ricardo Rocha que entrou para segurar a lateral-esquerda e depois do golo, ou seja, porquíssimos minutos.
No que diz respeito à arbitragem pudemos assistir ao que se poderá dizer uma demonstração de grande categoria de Konrad Plautz. O austríaco disse logo ao que vinha ao mostrar um justíssimo amarelo a Luís Garcia aos 30 segundos (!!!) de jogo. A partir daí vi logo que com este senhor não se brinca e tendo em conta que as equipas portuguesas costumam ser sempre altamente prejudicadas em confrontos europeus é de uma enorme satisfação que vejo que houve isenção.
É certo que não houve lances de elevado nível de dificuldade mas o facto de estar muito perto dos lances possibilitou-lhe uma percepção muito mais facilitada dos mesmos. Na minha opinião foi fundamental controlar o jogo desde inicio pelo facto de se esperar um confronto muito físico – basta ver a capacidade atlética dos jogadores do Liverpool – e que poderia facilmente ter descambado para o violento. Em virtude dos poucos ataques pelas alas não houve grande trabalho para os árbitros auxiliares, ainda assim não comprometeram e momento algum.
Uma palavra final também para fazer ver àqueles que vaticinavam desde o inicio desta prestação europeia que seria re-editado o descalabro de Vigo, que de facto o Benfica ainda tem dimensão europeia. Comentários como por exemplo “Vão ser a vergonha de Portugal, perdem os jogos todos com goleadas e ficam no último lugar do grupo!”, foram depois substituídos por “Vão levar um banho de futebol do Manchester com uma cabazada!”. A fantástica vitória sobre o Manchester fez circular o “Pior Manchester dos últimos 10 anos, ganharam com uma vaquinha monumental!” depois de já se ter ouvido “O grupo mais fácil da Liga dos Campeões!” que tinha o 2º classificado de Inglaterra, o 7º de Espanha e o 3º de França.
Antes desta partida ouviu-se novamente “Vai ser Vigo re-editado!” para depois já ter ouvido “Liverpool muito fraco, sem chama e sem classe!” ou “Vão ser goleados em Anfield!”. Enfim… a inveja é lixada com “f”! Mas enquanto que uns jogam na Liga dos Campeões e com as melhores equipas do Mundo onde se pode perder, ganhar ou empatar, os outros jogam “ao pau com os ursos!”
Obviamente que este resultado é muito curto para o Benfica pensar em jogar para o empate em Anfield. Aliás, se for esse o tipo de jogo que a equipa pretende não auguro nada de bom no dia 8 de Março – um dia depois do meu aniversário, eh eh, e por isso quero uma prendinha do clube do meu coração. Espero, sinceramente, que se jogue para tentar ganhar ou pelo menos para fazer um golo. Será uma jornada fantástica com uma ambiente demolidor mas se o Benfica marcar primeiro tem tudo para seguir em frente.
Não estou à espera de passar a eliminatória, sei que é muito difícil desfeitear o actual Campeão no seu próprio estádio, e já estou muito satisfeito com este pequeno milagre mas se, de facto, o Liverpool for eliminado por este Benfica acrescenta-se mais uma página gloriosa e histórica no álbum de memórias de um dos mais fantásticos clubes de futebol do Mundo.
NDR: As melhoras para o jogador Mohamed Sissoko do Liverpool que ainda se encontra hospitalizado após uma entrada dura mas sem maldade do Beto. Parece que é grave e que perdeu momentaneamente a visão já que foi atingido com um pontapé no olho. Saúdo ainda a atitude de Beto que hoje o visitou no hospital.
Ficha do Jogo:
1ª mão dos 8ºs de Final da Liga dos Campeões
Estádio da Luz em Lisboa
Árbitro: Konrad Plautz (Áustria)
SL BENFICA: Moretto; Alcides, Luisão, Anderson e Léo (Ricardo Rocha, 87 m); Petit, Manuel Fernandes e Beto (Karagounis, 57 m); Simão, Laurent Robert (Nélson, 76 m) e Nuno Gomes;
LIVERPOOL FC: 'Pepe' Reina; Steve Finnan, Sammy Hyppia, Jamie Carragher e John Arne Riise; Mohamed Sissoko (Dietmar Hamann, 35 m) e Xabi Alonso; Harry Kewell, Luís Garcia e Robbie Fowler (Djibril Cissé, 66 m); Fernando Morientes (Steven Gerrard, 78 m);
Disciplina: Amarelo a Luis Garcia (1 m), Beto (29 m) e Hamman (54 m);
Golos: 1-0, Luisão (83 m);
#publicado em simultâneo com os Encarnados